sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

como me tornei estúpido.

"Tinha poucos amigos, porque padecia dessa espécie de anti- sociabilidade que resulta da demasiada tolerância e compreensão. Os seus gostos não-exclusivos, disparatados, baniam-no dos grupos que se constituíam a partir de desgostos comuns. Se ele desconfiava da anatomia odiosa das multidões, era sobretudo a sua curiosidade e paixão desprezadoras de todas as fronteiras e clãs que faziam dele um apátrida no seu próprio país. Em um mundo em que a opinião pública está confinada nas pesquisas às possibilidades sim, não e sem opinião, Antoine não queria preencher nenhum quadradinho. Ser a favor ou contra era para ele uma insuportável limitação às questões complexas. Além disso, possuía uma delicada timidez à qual se aferrava como a uma reminiscência infantil. Parecia-lhe que um ser humano era tão vasto e tão rico que não poderia haver maior vaidade neste mundo que estar demasiado seguro de si com respeito aos outros, com respeito ao desconhecido e às incertezas que cada um representava. Por um momento teve medo de perder a sua singela timidez e juntar-se ao bando dos que nos desprezam se não os dominamos; mas, graças a uma vontade obstinada, soube conservá-la como um oásis da sua personalidade. Apesar de ter recebido numerosos e profundos ferimentos, isso em nada lhe tinha enrijecido o caráter; ele guardava intacta a sua extrema sensibilidade, que, como uma fênix, renascia mais pura que nunca cada vez que era maltratada e morta. Enfim, se acreditava razoavelmente em si mesmo, esforçava-se por não acreditar demasiadamente, por não concordar facilmente com o que ele próprio pensava, pois sabia como as palavras do nosso espírito gostam de nos prestar serviço e nos reconfortar logrando-nos." 


De Martin Page, lido faz alguns dias.

2 comentários:

Anônimo disse...

Vi a mim mesmo como num reflexo de espelho... só que também vi um emaranhado de palavras descrevendo-me minuciosamente e afligindo-me em seguida.
Porque será?
Talvez, seja porque eu nunca estou preparado para me ver como alguém imagina que eu possa ser de fora para dentro e vice-versa.

Caio. disse...

Provavelmente seja isso mesmo, Leonardo.