sábado, 27 de novembro de 2010

E então eu conheci esse rapaz em um chat.Nunca fui muito fã de chats. Namoros virtuais então... melhor nem comentar, todos deram errado. Mas dessa vez a afinidade não era a longa a distância. Ele morava aqui, na mesma cidade que eu. Era um domingo - e eu deveria saber que daria tudo errado, era um domingo - e eu estava um pouco entediado - o que é normal -, foi aí que eu liguei o computador e pronto, estava em uma sala com mais de vinte pessoas desconhecidas, atrás de conhecer alguém que... preenchesse qualquer vazio, lacuna, ou seja lá o que estava/está faltando em mim. Foi totalmente perfeito. Nossa conversa sincronizava, era como se conversássemos pessoalmente, como se fosse possível ouví-lo, mesmo de tão longe, mesmo tão... superficial, embora estivesse mais intenso que qualquer outra coisa real. Por um momento temi, afinal, já estavámos ali nos expondo, e eu nem tinha visto o rosto dele, e nem ele o meu. Apenas medidas, imaginação e pronto, lá estava ele na minha cabeça. No mesmo dia, ele me ligou - como prometera - a noite e disse que passaria na minha casa para nos conhecermos pessoalmente. E veio. Ele dentro do carro, e eu fora na calçada de casa. Ele me disse que eu não era gordo como havia dito, e eu aleguei modéstia da parte dele quando disse que não era bonito. Sim, ele era um partidão. Faculdade, trabalho. Minha mãe ficaria impressionada se tivesse conhecido ele. Alguns minutos depois ele disse estar com pressa, tinha que ir buscar uns amigos e só passou mesmo para... me ver. "Eu te ligo mais tarde, pode ser?" Pareceu sincero, e eu respondi que poderia, que eu ficaria feliz se ele me ligasse. Ele apenas sorriu, deu meia volta e foi embora. E não ligou. Passaram-se três dias. E eu imaginei que ele havia viajado, que ele havia tido problemas em me ligar, que meu número tinha sido apagado acidentalmente, e então... fiz o que não deveria ter feito, ou melhor, fiz a única coisa que eu poderia ter feito, se quisesse realmente chegar a algo concreto: afinal, o que aconteceu depois daquele dia? E liguei no celular dele. Acho que da primeira vez eu liguei errado, estava tão nervoso e nem sabia direito ainda o que iria dizer. Caiu na caixa postal. Meia hora depois eu liguei de novo, e ele atendeu.

- É o Diego?
- Sim.
- Oi, tudo bem? Lembra de mim?
- Quem?
- Lucas. Daquele dia... você foi lá em casa...
- Não, não me lembro de nenhum Lucas. Tem certeza que ligou no número certo?
- Você disse que ia me ligar... nos conhecemos na internet... domingo...
- Ahhhhh sim.
- Lembrou?
- Eu estou terminando um trabalho enorme da faculdade e preciso entregá-lo hoje, assim que acabar eu te ligo.

Trabalho... ele estava de férias da faculdade há um mês. Eu não soube o que fazer com aquilo no dia, aliás, nem sei como vim digerindo isso por esse tempo todo. É tão simples você dizer que não vai ligar. Por que alimentar a esperança de outra pessoa em vão? Eu já me achava tão esperto, tão experiente nessa área... e de todas as possibilidades, nem havia passado pela minha cabeça que eu não tinha o agradado fisicamente. O que a gente tinha em comum, acabou assim que ele estacionou o carro, na porta da minha casa, e abriu o vidro do carro. Me senti a pior pessoa do mundo nesse dia, e me sinto toda vez que me lembro dele parado - eu totalmente acreditando que seria daquela vez - na frente da minha casa, com um sorriso estampado no rosto dizendo que me ligaria mais tarde.

De louco todo mundo tem um pouco.

Estive no manicômio esses dias. Dias que se passaram tão rápido quanto uma faísca no céu - achando que era estrela cadente fiz um pedido, em vão - e tão lentos na mesma proporção. confuso, eu sei. Conheci Matilde, que matara o marido com uma leve facada que acertou em cheio o coração do pobre - pobre de alma-. Ela nega. Eu acredito, sério, eu acredito na inocência de Matilde. Como pode uma mulher tão pura e cheia de sensações indescritíveis nos olhos, matar assim o marido que amara mais do que a própria vida? Ainda que eu desconheça bons motivos para crer na humanidade, prefiro apostar minhas velhas moedas que ainda vagam por aí boas almas para se confiar cegamente. Depois, encontrei Carlos deitado no chão, se debatendo, pedindo para que tirassem dele tudo que fosse podre, mas não havia nada, estava tudo tão branco quanto leite. Que estranho, pensei. Ajudei ele a levantar, e dando os primeiros passos com suor pingando pelo rosto, disse que eu era um anjo. Obrigado. Ele ordenou que eu não o agradecesse que eu nunca fui de ser gentil assim. E ele estava certo. Loucamente certo, eu acho. Coloquei ele na sua cama e ele permaneceu com olhar fixo no teto, como se olhasse um quadro qualquer de difícil interpretação. Já na cafeteria, havia um casal degustando e conversando sobre qualquer coisa que eu não entendia bulufas. Nunca fui mesmo de entender casais apaixonados, nunca nem estive apaixonado - como assim? - por ninguém, nem por mim mesmo, suponho. Até hoje, só pequenos casos que não faço muita questão de forçar a memória para lembrar. Deixe eles lá - quietos, em modo sleep - no lugar que devem estar. Na saída - é, o sinal havia tocado faz alguns minutos - me deparei com borboletas de todas as cores. Uma delas pousou no meu ombro esquerdo e ficou tão próxima que pude ouvir algo mais ou menos assim: seria mais justo se todos nós pudéssemos voar.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Você têm uma nova mensagem.

          Foi isso que eu ouvi quando cheguei em casa cansado, coloquei o terno sobre a parte alta do sofá-cama e apertei o botão da secretaria eletrônica. Fiquei pensando em quem poderia ter me ligado. Eu não tinha amigos, minha família já não se importava se eu estava vivo ou morto, e eu acabara de sair do trabalho. Apoiei as mãos no parapeito da janela e permaneci ali por alguns segundos. Nem me dei conta de que não havia fala na mensagem. Decidi aumentar um pouco o volume, me agachei no chão e coloquei os ouvidos próximos, mais próximos, afim de tentar ouvir alguma coisa. Até que doze segundos depois, saiu isto:

- Ele não vai lembrar de mim... {e desligaram}

          O meu telefone tinha bina, e facilmente eu poderia descobrir quem havia ligado. Nunca fui muito curioso. Ok, minto. Já houve uma época em que eu era muito, muito curioso. Mas isso faz bastante tempo. Eu passei a viver em uma redoma. Não achava ninguém interessante ou divertido, logo, não me importava se alguém se aproximava de mim pelos meus bens exteriores ou interiores. Resultado: ninguém chegava perto. Ou, eu os afastava, não sei bem. O que iria mudar na minha vida ou em mim saber quem havia me ligado? Provavelmente era alguém que errou de número. Isso acontece sempre. Aliás, aconteceu na semana passada.  Ligaram se declarando, dizendo mil e uma coisas que eu gostaria de ouvir, até que o rapaz se deu conta de que havia ligado para a pessoa errada. Eu respondi: É, são sempre os errados. Desliguei na cara, sem dizer adeus. Suponho que ele não tenha entendido bem a minha revolta. E nem precisava. Ah, cansei.
          Eu já estava deitado na cama, sonhando com ruas, ou becos, não sei... Enfim, quando o meu celular resolve tocar. E eu, meio que instantaneamente resolvi atendê-lo.

- Por que não me retornou? {em um tom meio agressivo}
- Você poderia primeiro me dizer quem teria me ligado mais cedo? E outra, eu não entendi nada, nada sobre o que você disse na ligação.
- Você estava dormindo?
- São duas da manhã, sabia?
- Desculpa, mas você não retornava... eu já estava enlouquecendo.
- Sim, o que você quer?
- Terminar nossa conversa de hoje à tarde.
- Que conversa?
- Você aceita, ou não?

          Eu me levantei da cama em um pulo, quando me veio uma lembrança remota na minha cabeça. Não sei como esqueci tão rápido. Eu estava almoçando em um restaurante qualquer ao lado da Galeria de Artes, quando alguém entrou no estabelecimento.

- Você era o cara do almoço?
- Sim... responde minha pergunta, não tenho tempo.
- Calma aí.

          Eu já havia acabado de almoçar e como tinha o resto do dia livre, resolvi ficar por ali e colocar minha leitura acadêmica em dia. E então, um rapaz se aproximou com o seu almoço em mãos.

- Direito Administrativo? {ele disse interrompendo minha leitura}
- Sim... E pelos visto - olhei para os livros que ele trazia embaixo do braço - você faz o mesmo curso que eu.
- Eu? - fez uma cara de desentendido levantando uma das sobrancelhas e espiou os livros que trazia - Não, não. Esses livros são de um guri que eu estou conhecendo.
- Ah, sei.
- Posso me sentar aqui?
- É... claro, fique à vontade.

          Idades. Relacionamentos anteriores. Onde trabalhava. O que fazia durante o dia, durante a noite. Músicas favoritas. Filmes. Artes, no geral. Planos. Idades - minha memória costuma ser meio fraca. Desejos. Assuntos sem nexo. E risos, e bebidas. E minha leitura interrompida. Conversa agradável. Sol se pondo. Noite vindo. E horas. Voando, tempo. E por último... nomes. Um aperto de mãos, abraço curtinho. Mesmo sendo tudo de forma rápida, já fazia anos que eu não me sentia daquele jeito. Aquele jeito meio babaca que fica a nossa expressão facial, quando a pessoa vai desaparecendo conforme vai ficando mais, e mais longe da gente.
          Na verdade, eu não havia esquecido. Minha memória não é tão ruim assim. A verdade é: eu não achei que daria em alguma coisa, que essa pessoa me ligaria, e que me pediria em namoro antes do aperto de mãos e do abraço curtinho. Eu não esperava. E foi justo por não esperar, que eu me senti nas nuvens. Só que... não queria cair de novo. Cair é doloroso. Depois de viver de quedas - lembra quando contei que eu vivo em uma redoma? - me isolei de tudo que fosse in, dentro. Fiquei desconfiado, me sentia sempre com vontade de continuar ali deitado, sem forças para levantar sequer meu corpo da cama. Ia trabalhar, mas não ia com qualquer mínima vontade que fosse. Eu já não sabia o porque de existir, e nem para que. Preferi não pensar nisso, e fui tocando a vida. Sem olhar para os lados. Era eu comigo mesmo. Sempre.
          Permaneci ali olhando a janela. Quando fui ouvir a mensagem de novo, não era nada. Doze segundos de silêncio e eu fantasiando amores que nunca vão acontecer de verdade.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Festa Junina


- Quer milho?

Eu nunca fui muito fã de milho, talvez bolo de milho, mas nunca o milho cru regado a manteiga. Ou cereais. Quando me oferecem granola, por exemplo, eu me sinto meio ofendido, com um estômago um pouco preso, não sei.
- Não. {respondi meio que grosseiramente}
 Ele não se intimidou, perguntou eu queria tomar suco de laranja. Eu rebati com outra pergunta:
- Por que tão óbvio?
- Como?
- Suco de laranja?
- Você não gosta?
- Claro. Mas eu prefiro limão, se tens tanta curiosidade em saber de frutas.
- É tudo cítrico.
- “É tudo cítrico” {falei com uma vozinha meio babaca}
- Eu vou embora, é melhor…
- Você não serve, não foi nada fácil despistar você.
- Você é grosso, por isso está sozinho.
- Sou não… quer dançar?
- Não. Não gosto desse estilo musical.
- E do que você gosta?
- Algo mais calmo. 
- Algo mais calmo… Ballet?
- Olha… isso não tem nada a ver com festa junina.
- Como não? Olha a fogueira, as coisas feitas de milho, aquelas pessoas bizarras dançando quadrilha.
- Peraí, quem são aqueles dois se casando em pleno altar junino?
- Não os reconhece?

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Minha vida sem mim.

O que vai acontecer quando eu se for? Será que as pessoas vão se lembrar de mim? Elas vão pensar em mim e dizer: ele era bem tímido. Ou será que vão voltar atrás e falar: tímido não, ele era uma fortaleza. Que tipo de fortaleza eu sou? Não estou certo se posso ser algo agora. Daqui a um mês, dois meses quem sabe, eu não vou ser nada. A doença vai ter consumido metade do meu corpo, e eu morrerei deitado na minha cama. Me perguntando: Quando foi que o amor passou e eu não vi? Será que eu fingi que ele não existia com medo de sofrer, ou será que eu vivi algo intenso sem saber? E as viagens que eu queria fazer? Será que ainda dá tempo? Bem... eu tive poucos amigos. Lucie, Carl... vocês sabem, eu amo vocês. Não, acho melhor não contar nada para eles. Vamos imaginar que é só uma brincadeira, que não há ninguém doente, que esse frio nunca mais vai ir embora. Eu te disse, eu gosto do frio, ele faz eu me sentir vivo. E da chuva também. Aliás, você viu como as folhas ficam mais bonitas depois de uma boa chuva? Não, não amei ninguém. Fui amado, mas... não é a mesma coisa. Sabe, eu queria ter sentido essas palpitações, o enjôo no estômago, a palma da mão suando. Durante esses vinte anos, todos me disseram que eu encontraria alguém bacana, que me levaria para conhecer todos os lugares, que iria captar minhas idéias mais idiotas e participar delas comigo. Seja quem for, vai chegar tarde. Não há mais tempo para sonhos. Não há mais tempo para vida. Esse é o último gole de café.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O que vem depois?

          Não estou certo do que quero amanhã. Se devo me aventurar entre os panos vermelhos, as músicas alegres ou aqueles que sofrem de obesidade mórbida. O que vem depois da desgraça, dos dias em que você brinca com objetos cortantes e chora no canto do banheiro, tentando descobrir quem foi, ou o motivo de você se sentir tão inútil? Você não sabe, nunca sabe de nada. É sempre um conselho qualquer, vai vivendo que depois tudo melhora. Já fazem dois anos que o mesmo sentimento de desfalecimento percorre pelas minhas veias, e nada melhorou. Essa sua teoria não faz sentido algum - nunca fez - pra mim. O que é que você sabe de se sentir deprimido, não é mesmo? Logo você, que sempre viveu romance após romance, tragédias, felicidades, tudo assim, se alternando constantemente, sem parar, como se fosse uma montanha-russa de sentimentos, que não param de mudar, até que resolve tropeçar em romance de novo, e aí está você: apaixonado, criativo, vivendo de emoção e jantares no fim de semana. O que é que você sabe sobre monotonia, não é mesmo? É um corre-corre, faculdade, namoro, brigas familiares, problemas alheios, compras no supermercado, vai em casa, arruma as coisas na geladeira, volta pra faculdade, encontra o namorado na esquina, te esperando, alguns amassos dentro do carro, faça-me o favor, você não sabe nada de viver entre a casa e o trabalho. Alguns passo até a escrivaninha, encher um copo de vodka e voltar para o quarto. Devorar filmes, livros, qualquer coisa com um mínimo de cultura, pra que mesmo? Nada, imagino. Tanta cultura assim ainda vai levar meu cérebro a morte. Por que querer ser tão culto, saber de tantas coisas, se quando saio de casa a conversa é sobre números e novidades do mundo da música pop. Deve ser esse humor ácido que atrai tanta gente sem fins emocionalmente lucrativos. O que vem depois de tanta nuvem negra, chuva de cacos de vidro e trovões quase-que-acertando o centro do meu peito? Nada, imagino. Talvez eu esteja destinado a viver nessa montanha-russa que não anda nunca, que fica ali no ponto de partida, sem impulso, sem coragem, sem um pingo de força para subir a rampa.

sábado, 13 de novembro de 2010

Raparigas.


Se mulher eu tivesse nascido, provavelmente seria uma dessas raparigas bem safadas. Mentira. Seria frágil, de coração mole, salto alto e professora de língua portuguesa. O cabelo sem química, um pouco de pó no rosto pra disfarçar as imperfeições da pele. Aliás, quando vão criar um pó para disfarçar a dor interna? Enquanto isso, vamos fingindo, atuando. Não, não seria atriz. Esse negócio de aparecer em revistas, prender homens com o golpe da barriga e beijar vários homens em novelas não é pra mim. Talvez atriz pornô. Se é para trabalhar com o envolvimento corporal, que seja em todos os sentidos possíveis. Mas aí, provavelmente eu iria querer colocar silicone, plastificar a cara, mudar esse nariz de batata, dar um jeito nas pernas tortas, ih, ia ter que transar muito para pagar isso tudo, melhor esquecer. Poderia também casar com alguém rico, engravidar, criar um programa de televisão bem ruim e fazer "sucesso". Tanta gente ia falar mal de mim, que provavelmente eu iria virar referência, e quando alguém vira uma referência da vida de outras pessoas, o próximo passo é lançar um livro. "Morte e vida Severina", puta livro chato. Ah desculpa, você gosta do João Cabral, mas foi obrigado a ler o livro para o vestibular? No fim das contas eu seria uma safada mesmo, que iria da escola para casa, da casa para o trabalho, e do trabalho para o motel com qualquer motorista que estivesse passando por mim na hora. Afinal, raparigas só precisam mostrar um pouco das pernas, tossir o cérebro, e mostrar os peitos em um decote profundo para causar um impacto nos homens de hoje.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Amando um filho da puta.

No começo, imaginei que seria tudo diferente. Ele do outro lado da rua, fazendo um sinal com a mão como se quisesse meu telefone. Nunca havia visto aquele rapaz, e nem sabia o motivo de ele estar pedindo meu telefone. Imaginei que seria para pedir alguma informação, eu era um pouco ingênuo na época. Ele se aproximou, e eu lhe entreguei um bilhete que continha meu telefone e nome. Eu te ligo amanhã, ele disse. Entrou no ônibus e sumiu. No dia seguinte, lá estava eu, andando pela cidade, segurando fortemente meu celular na mão, pois imaginei que se estivesse no bolso, eu poderia não ouvir, não sentir ele vibrar, não queria perder aquela ligação de jeito nenhum. Talvez devesse ter perdido. No final da tarde, meu celular tocou. Era ele. Nos encontramos e ele foi me levando de carro para a casa de um amigo. Achei que haveriam outras pessoas além de nós, mas estavámos sozinhos. Não houve muita conversa, o que eu havia achado bastante estranho. Achei que ele fosse do tipo tímido, que não gostava muito de conversar, ou que tinha medo de puxar assunto e falar besteira. Achei fofo, a princípio. Ainda que, pela feição dele, não achei que fosse tímido, e sim, que sabia muito bem o que estava fazendo. Quinze minutos depois e estavámos na cama. Quinze minutos depois eu já estava na rua. Foi rápido, ele disse que não tinha muito tempo. Eu perguntei se ele iria me ligar de novo, e ele disse que sim. Imaginei que ele fosse do tipo que começa as coisas de forma diferente. Primeiro se vai para a cama, e depois se conhece o parceiro. Deixei de supor isso quando nos encontramos de novo e a mesma coisa aconteceu. Pouca conversa, todas as peças de roupa pelo chão. Eu perguntei então, o que ele realmente queria de mim. E sem titubear, ele disse que queria sexo. Depois disse que tinha namorado, mas que ele não lhe dava a devida atenção. Peguei a carta que iria lhe entregar expondo toda a merda que eu sentia, e fui rasgando pelo caminho. Desgraçado, pensei. Passado um tempo, nos encontramos ocasionalmente. Ele estava meio triste, havia terminado o namoro. Eu o consolei, ofereci carona para casa, parei na metade do caminho e disse que queria transar com ele. Foi ali mesmo, numa rua escura, dentro do carro. Depois que terminamos, o deixei ali mesmo. Ele disse que não sabia onde estava. Eu abri o vidro e disse: Você sabia para onde estava me levando da primeira vez, e ainda assim fez questão de ficar quieto. Você sabia que não era sexo o que eu procurava, e mesmo assim disse que seria tudo diferente, que seríamos só eu e você. Pois bem, você está perdido, triste e com um término de namoro enfiado na clavícula, acho que é a hora exata pra você começar a passar pelo que eu passei, durante os seis meses em que não consegui tirar teu cheiro da minha roupa. Ele então, pediu para que eu respondesse apenas uma pergunta: Vou para a direita ou esquerda? Não sei, indo por ambos os caminhos você vai se fuder de qualquer jeito. Nunca mais o vi, e nunca mais espero vê-lo de novo.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Junie.

1995. Paris. Disco vinis. Nostalgia. Junie, 20 anos de idade.


        
          Apaixonada pela professor de ciências biológicas, e amada por um de seus amigos de classe, Otto. Um irmão gay indeciso quanto a idéia de assumir sua sexualidade. Talvez por ser o caminho mais fácil, ela decide se envolver com Otto. Cabelos claros, nariz afilado, olhos azuis, bonito por dentro e por fora. Ingênuo. O namoro dos dois parecia ir bem, até que ela se viu envolvida pelo professor. Mais velho, cabelos pretos e um cigarro na boca. Ela, aparentava ser frágil, despreparada, uma presa fácil, mas estavam todos enganados. Junie era inteligente, observadora, e não pisava em nuvens. Sabia dos riscos que correria se começasse um envolvimento secreto com seu professor, mas foi quase inevitável. Não houveram beijos, mas as trocas de olhares acabaram acontecendo, sempre nos intervalos, sempre que se viam. Otto estava sentindo uma diferença no comportamento da moça, que agora o evitava quase sempre. Uma dor de cabeça incessante , uma falta de paciência, sem tempo... ela alegava não ter mais tempo para Otto. Os estudos, são os estudos, ela justificava. Junie brincava com o perigo, a escola era pequena, e os corredores tinham olhos, olhos por todos os lados. Quando ela se deu conta, já era tarde demais.   Alguém-que-não-sei-quem avistou ela e o professor juntos no intervalo. De perto, ele tentava beijá-la, mas ela o mantinha distante, enquanto tentava empurrá-lo com as duas mãos contra o seu peito. de longe, outra concepção. E foi justo a concepção errada que chegou aos ouvidos de Otto. O rapaz por sua vez, tentou fazer com que a moça contasse, mas ela negava. Não houve nada, e nunca haverá, disse ela. Ele não acreditava, ainda mais depois de saber que ela pretendia sair da cidade. Por que? perguntou. Junie disse que precisava de tempo para pensar, que a escola não havia ajudado, e que provavelmente essa tinha sido a pior escolha, que a morte de sua mãe a tinha atingido mais forte do que imaginava. Ele entendeu que não tinha sido bom o suficiente, e que tinha falhado na sua tentativa de fazê-la melhorar do luto. Ela se importava com ele, mas estava cego a ponto de conseguir perceber isso. O irmão de Junie, esse por sua vez não tinha problema algum. Namorava com Martin, e depois da aprovação da irmã, não tinha mais porque se esconder dos outros. Ainda que mesmo assim, preferia manter o relacionamento longe dos olhos dos outros estudantes. Burburinhos seriam inevitáveis. Manhã na escola, horário do intervalo, Junie ignorava Otto. Ela não sabia que o garoto estava tão abalado, até que o sino tocou. Uma, duas, três vezes. Enquanto todos conversavam no pátio, alguém pulou lá do segundo andar. Uma grande roda abriu-se em volta do corpo. O garoto havia se matado. Ela ficou ali por um tempo, olhando para o corpo. Mas nada, nada podia ser feito. Quer dizer, quase nada. Naquele mesmo dia, o professor foi até a casa de Junie, a fim de convencê-la a ficar na cidade. Chegando lá, soube pelo irmão dela que a mesma teria viajado, ido embora, para bem longe e que não podia dizer para onde, que era melhorar assim, e que por recomendações dela, ele deveria deixá-la em paz e nunca procurá-la. Nessa mesma hora, ela estava já avistava a cidade, cada vez mais distante. Junie viu alguém que a amava se matar, e não conseguia de modo algum, conseguir superar a dor da morte de sua mãe, a dor da morte de Otto, e a dor de amar alguém que jamais poderia amar. Uma hora ou outra, ela sabia que seria trocada por alguma estudante mais nova. Uma hora ou outra, ele iria perceber que se desfazer de mulheres, como se fossem objetos, era mais prejudicial a ele do que poderia se imaginar.

sábado, 6 de novembro de 2010

e lá estava ela, trocando olhares com o homem da livraria. ver o anel na mão do rapaz não era suficiente. ela não se importava. perguntava quanto custava esse, outro livro, só para poder começar qualquer assunto com o moço. ela não se dava ao respeito, e nem ele. quarenta minutos depois, lá estavam eles, improvisando entre caixas e mais caixas no almoxarifado. uma mão aqui, outra ali, alguns gritos abafados pela parede maciça. um roçar de línguas experientes na traição. mais vinte minutos e os dois estariam no balcão, como se nada tivesse acontecido.

- Você ficou com o cara da livraria? Sério?
- Sim.
- A que preço?
- Eu precisava saber se o que eu sentia pelo Carlos era sério, ou não.
- E chegou a alguma conclusão?
- Cheguei. Eu vou me casar com ele.
- E precisava traí-lo para ter certeza disso?
- Eu tentei da maneira fácil, e não cheguei a resposta nenhuma. Então, achei que se eu ficasse com outro cara, eu saberia se com Carlos era só atração física, ou não. Entende?
- Mais ou menos.
- Olha... acredite, seria pior se eu tivesse me casado com todas essas dúvidas, e daqui um mês pedisse o divórcio.
- Não, eu acho que o pior mesmo, vai ser você conviver com a confiança do seu marido, sem ele saber que você casou já tendo quebrado uma das regras, antes mesmo do casamento acontecer.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

orando pro livro de auto-ajuda.

          dizem por aí que ele cansou de rezar. desejos atrasados, promessas acumuladas. todas as velas queimadas. os santos dormem, não há ninguém para ajudá-lo. conversei com alguns amigos dele, nenhuma informação foi útil o suficiente. aliás, nem lembro quem são os amigos dele. enquanto eles estão ocupados sendo felizes, ele está lá, trancado dentro do quarto, devorando filmes por cima de filmes. várias travessas de pipoca. tentando achar uma solução em livros de ficção. eu não sei não. que caminho foi esse que ele escolheu? disseram que ele sairia de casa hoje. dançaria. beberia. perderia a vergonha na cara. só um segundo. é, vocês acertaram, ele acabou de cancelar. vai ficar em casa, desejar uma chuva grossa, uma janela embaçada, se agarrar nos cinco travesseiros e viver. hoje vai ser o que? um drama romântico da mocinha com câncer terminal, ou um pedro almodóvar?
eu avisei, não bebe desse cálice que o líquido não é puro. não come desse pão, ele já está aí há dias, manhãs, sol e chuva. eu avisei para ela não deitar, não ouvir, mas já era tarde. ela já estava encantada. os olhos brilhando  no espelho, o cabelo arrumado de um jeito, tão envolvente, tão... ah, ela estava fraca. dava de ver nos olhos. sentir na pele. eu avisei para ela que não seria fácil. era caminho de espinhos, pouca água, desgastante. cuidar de si já dá um trabalho, ser responsável pela felicidade alheia é não dormir mais, é ficar ali... vivendo de dependências, definindo tudo como uma droga, que vicia, e que mata se você não souber dosar. eu te disse, tenho experiência suficiente para te dizer que o pior que você podia ter feito era se apaixonar desse jeito.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

perdão

me perdoa pelos rabiscos. pelo prometido não cumprido. pelas noites que te fiz esperar. pelo mundo que eu jurei que ia dar. me perdoa pela mão que eu deixei de estender. o carinho que deixei de oferecer. as cartas que eu esqueci de entregar. me perdoa por ter trocado o vaso de flores de lugar. de ter remexido nas suas coisas. vasculhado seu email. celular. eu não sabia mais o que fazer. faz um mês que você não olha na minha cara. não dá bom dia. boa noite. vamos aqui almoçar? há quanto tempo não dormimos juntos. seu trabalho. seu trabalho. há quanto tempo você vai usar a mesma desculpa? durante quanto tempo você vai conseguir suportar essa mentira inventada para me afastar?

da carta que não me levava a lugar algum.

ela era de pele branca. eu de pele negra. ele descia o morro. enquanto eu andava em carros luxuosos. ela mexia no cabelo com calma. eu escondia o meu com o boné. quase sempre rasgado. quase sempre largado. ela usava vestidos. eu preferia bermudas. embora um pouco curtas, bermudas. sentávamos na calçada. uma hora da madrugada. ela me contava sobre o seu dia. eu fingia que ouvia. fingia que entendia. bebia alguns goles de vinho barato. acendia um cigarro e sorria. eu estava meio desinteressado, mas ela nem percebera. ela estava se despedindo, e eu pedia para ela ficar mais um pouco. ela saiu correndo, dizendo que me ligaria mais tarde. ela fingia que me amava. e eu me deixava ser amado, mesmo sabendo que ela tinha namorado.
- Amor, acorda. {cutucou o outro com o cotovelo}
- O que foi? Você sabe que horas são?
- É que tem alguém andando em cima da casa.
- Não é ninguém, devem ser os gatos. Vai dormir!




          Eu estava lá parado diante uma rua vazia, quando um aglomerado de pessoas começou a se formar. Eu não sabia bem o que iria acontecer, e nem o motivo de estar ali. Olhei lá para o alto da ladeira, e comecei a avistar travestis e carros alegóricos. Que coisa louca, pensei. A avenida estava bem colorida, mas eu não sabia qual era a comemoração, ainda assim, entrei na festa e gritei como os outros. Os carros e travestis iam passando, até que avistei alguém entre os enfeitados. Ele estava de máscara, uma roupa discreta e uma garrafa de água na mão. Tudo parou por um milésimo de segundos. Ele era o único que se movimentava entre os demais, em câmera lenta, tipo filme mesmo. Ele fez sinal para que eu o acompanhasse pelo lado de fora. O encontrei no final da rua, e ele me perguntou se eu estava com sede. Respondi que sim, mas que alguém poderia me ver aceitando água de um estranho, eu era casado, e podiam interpretar aquilo de outra maneira, vocês sabem como os outros são. Recusei. Mas, a curiosidade foi maior que a sede e eu retirava a máscara dele enquanto ele aproximava o seu rosto do meu. Calma, eu disse. Retirei a máscara e antes mesmo que eu pudesse configurar o seu rosto na minha cabeça, ele já havia me beijado. Eu tinha vontade de afastá-lo, mas meus braços não se moviam. Quando a minha língua finalmente desencontrou da dele, começava a reconhecer aquele rosto

- Acho que eu fiz besteira. Caio? Você está me ouvindo?

          Passei minha mão esquerda pela cama e só me deparei com um punhado de travesseiros. Não havia barulho no forro da casa, não havia travestis, carros alegóricos, beijos e nem qualquer Caio. Outro sonho diluído na realidade {pensei}. E voltei a dormir.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Amor e suas bagagens.

          E quando falo bagagens, eu falo dos relacionamentos rompidos, alguns cortados definitivamente pela raiz, outros que a gente nem sabe como começou, e muito menos de que forma terminou. Em algum lugar do meu consciente eu carrego imagens. Um choro. Um não. Uma rosa e um chocolate. Pizzas. E muitas palavras. É possível que eu tenha deixado o amor escapar, sem perceber? Acho que em algum dos casos, faltou minha total dedicação, confesso. Cada tentativa frustrada de gostar de alguém, e de não conseguir sentir nada além de paixão. E eu achando que paixão era meio caminho andado, me deixei acreditar que não precisava fazer mais nada, ledo engano. Toda essa coisa acumulada, pregada na minha pele feito cicatriz, me levou até aqui. Tímido, com várias mágoas espalhadas pelo corpo, e desejando não esbarrar com algumas dessas mágoas pela rua. Fingindo que nunca estive na cama com outras. Sendo educado pelo simples fato de não querer deixar uma imagem ruim. Mas a verdade mesmo, é que eu queria que todos eles sumissem, porque toda vez que eu os vejo, não me recordo de nada bom, nada que tenha valido a pena. Confundi muito atração física com amor, e minha aventuras não duravam mais que dois dias, até que eu percebia que havia comprado o ticket errado, havia embarcado em barco furado, caro senhor, de novo, e de novo. Talvez eu mesmo, seja um barco furado, que só vai te pegar em qualquer parada e te levar para o fundo do mar fazendo com que você fique sem ar e morra. Ou, talvez eu seja só alguém que tenha que esperar a hora certa, pois devo ter tentado engatar romances quando deveria estar me preocupando com algo melhor, como por exemplo, me amar primeiro. O problema é: encontrar outro remédio que me tire desse pântano, qualquer coisa que não tenha a ver com sentimentos, abstrato, irreal, algo desse tipo. Mas eu não quero, não quero viver perto de amor. Até eu conseguir sentir isso de verdade, eu me recuso a conviver com algo que nunca conheci.