quarta-feira, 8 de setembro de 2010

terceiro elemento.


Ele nunca foi de chegar tarde em casa. Sempre o achei bastante fiel, e esse um dos motivos que me fez casar com ele, com apenas sete meses de namoro. Após dois anos morando juntos, tudo estava caminhando perfeitamente. Vezenquando notava-se uma leve mudança nas suas atitudes, um pouco de irritação sem motivo, nossas conversas sobre qualquer coisa começaram a desaparecer, e para piorar, nossos horários de trabalho faziam com que nós nos víssemos pouco. Eu deixava bilhetinhos durante o dia, e sabia que ele teria lido, mas as respostas não vinham. Nosso aniversário de casamento havia passado em branco, ele sequer me deu um beijo na testa quando chegou tarde do trabalho. Achei alguns remédios para ansiedade, e achei estranho. Ele nunca fora de tomar remédios, aliás, odiava ir ao médico, seja lá qual fosse o motivo, sério ou relevante. Um dia desses, arrumando as gavetas do nosso quarto, encontrei um envelope de uma clínica próxima a nossa casa. E descobri algo terrível. Me senti muito culpado, ausente, um monstro. Eu não estive do lado dele quando mais precisou de mim, e mesmo o notando tão diferente, não questionava, não queria parecer sufocante, algo que nunca fui antes, e não queria ser agora. Fiquei aflito com o envelope na mão, e não sabia se ligava, se corria para o seu escritório, na dúvida, esperei ele chegar em casa. Algumas horas depois, acordei com alguém fazendo carinho de leve nos meus cabelos.

- Oi.
- Pode continuar dormindo.
- Não, eu preciso falar com você.
- O que é?
- É sobre esse envelope aqui.
- Como você encontrou?
- Eu estava arrumando suas coisas e... Me desculpa.
- Não... eu que deveria pedir desculpas. Eu não sabia o que fazer com tudo isso, e acabei afastando nós dois de tudo que criamos. Rompi nosso juramento de não escondermos nada um do outro.
- Acho que até promessas possuem limites.
- É, eu vejo que sim.
- Quantos dias de vida?
- O médico disse que ela deve morrer em um, ou dois meses no máximo. Descobriram o câncer muito tarde. A culpa é toda minha. Eu não estava lá quando...
- Calma! A culpa não é sua. Ninguém sabe quando algo assim está por vir, simplesmente acontece.

Eu o abracei bem forte. Ele chorou bastante, como nunca havia visto em outras ocasiões. Eu sentia meu coração apertar, embora o problema não me atingisse diretamente. Eu pensei em coisas que nem tinha a ver com o assunto, e quase puxei outro assunto, como se nada estivesse acontecendo. Então, o telefone tocou.

- Alô!? Sim, ele está aqui, mas ele está um pouco indis... Como? Só um minuto.
- Quem é?
- Seu irmão.
- O que aconteceu Roger?
- Você precisa vir aqui agora, nossa mãe acabou de...
- Flávio? - Eu disse.
- Hã? Ah... ela se foi.
- Você quer que eu vá com você?

Ele ficou olhando pra mim e apertou minha mão. Nunca me senti tão responsável pela segurança emocional de outra pessoa.

- Você lembra do que eu te disse quando seu pai morreu?
- Lembro, mas... poderia repetir?
- Você é a coisa mais importante na minha vida.
- Não é disso que eu lembro...
- Bem... é que a ocasião não é exatamente a mesma. Não quero ser repetitivo.
- Eu te amo porque...
- Eu também.
- Muito?
- A gente está atrasado, vamos.
- Muito ou pouco?
- Você sabe que não é pouco e nem muito.
- Não entendi.
- Não há maneira de explicar, eu só... amo.
- Que bom. Era isso que eu queria ouvir.

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