terça-feira, 12 de outubro de 2010

Dois iguais.

          Ambos eram impulsivos, rancorosos, discutiam e não sabiam como pedir desculpa. Quase sempre, voltavam a se falar naturalmente, no café da manhã ou no caminho para o trabalho.

- Você lembra daquela loja ali?
- Qual? A cafeteria?
- Sim.
- Claro, a gente se conheceu lá. Como eu poderia esquecer?

          E passavam por cima das desavenças. Mas, não foi sempre assim. Eles eram tão parecidos, que geralmente eram confundidos com pessoas da mesma família, como irmãos. Eles tinham gostos distintos, e naturezas iguais. Definir um, era como definir o outro. Eram almas gêmeas, mas depois que eles terminaram o namoro de dois anos, eu fiquei com receio de encontrar a pessoa certa.

- Eu sempre vou sozinho aos shows das minhas bandas preferidas.
- Eu não gosto de mpb.
- Custa ir comigo? É tão ruim assim estar na minha presença?
- O problema é a música e não você.
- Sei, sei. (desdenhou)

          Ele queria alguém que o acompanhasse nas suas aventuras. Mas o outro era tão medroso, tão acomodado, tão satisfeito com o que vinha, que tinha preguiça de descobrir coisas novas.

- Vem comigo. (puxou ele pela mão)
- Onde?
- É surpresa.
- Não sei...
- Quer saber? Fica aí se entupindo de música internacional, eu cansei. (e se dirigiu até a porta do apartamento)
- Calma, onde você vai?
- Relaxar.

          Ele andou um pouco pela cidade, as mãos acolhidas no bolso do casaco, respirava um pouco ofegante, fazia bastante frio nesse dia. 

- Não sei o que eu vi nele. Acho que confundi as coisas. Eu estava admirado pela forma como ele me abordou na cafeteria, e não apaixonado. Acho que fiquei envolvido, e depois confuso. Com medo de ficar sozinho preferi aceitar a condição dele ser tão diferente de mim. Por dentro, somos assim: cabeça dura, ansiosos, metidos, rancorosos, melancólicos e inseguros. Por fora, nada a ver. Ele gosta disso, e eu daquilo. Nossos desejos não se completam. Como poderiam?

          Ele chegou a conclusão de que não era pra valer. Foram dois anos de tentativas, mas o outro era uma âncora e ele um navio. Precisava de alguém que o guiasse, que estivesse com ele, e não que tentasse desviá-lo ou pará-lo. Ainda que doesse, ele voltou para casa decidido a terminar tudo.

- Ainda bem que você voltou.
- Por que está aí parado? Vem aqui, me dá um abraço.
- Não.
- Não?
- Você veio terminar comigo.
- E como você sabe?
- Eu sabia que isso aconteceria desde o dia na cafeteria.
- Isso não tem fundamento, é impossível.
- Não, não é.
- Tudo bem, e se você sabia que terminaria assim, por que me chamou para sair?
- Eu achei que nossas diferenças não fossem influenciar tanto assim.
- Como você acha que poderia, um namoro de duas pessoas com gostos totalmente distintos, dar certo?
- Você me ama, certo?
- Amo.
- E isso não basta?
- Não. Porque eu amo você quando vai ao bar comigo, só que você diz que bebida alcoólica não é sua praia, e me troca por uma reunião com amigos em algum fast food. Eu entro em lugares alternativos, onde as pessoas fumam e você fica do lado de fora, porque alega não querer respirar fumaça.
- Eu tentei gostar das coisas que você gosta.
- Eu sei. Mas não deu certo. E não vai dar nunca, porque precisamos estar livres para encontrar outra pessoa, e não mudarmos para continuarmos juntos.
- Eu nunca vou conseguir gostar de outra pessoa assim.
- Nem eu. Mas amar não é só agarrar pela nuca e tascar um beijo na cozinha.
- Me desculpa.
- Pelo quê?
- Por ter feito você desperdiçar seu tempo.
- Engano seu. Nunca aprendi tanto com alguém, como aprendi com você nesses dois anos.
- Eu vou dormir.

          O outro permaneceu na sala. Olhando pela janela. Pegou um pedaço de papel e deixou um recado. Abriu a porta e foi embora. Eles terminarem me deixou com medo de me enganar. Felizmente, costumo ser sensato. Não aguentaria ficar tanto tempo com alguém tão diferente de mim. Mas quem sou eu pra dar pitaco  quando o assunto é romance? Ninguém. Um namoro de três meses, outro de um mês, e alguns casos fracassados, é experiência de estagiário. No dia seguinte, o outro acordou bastante cansado, como se havia bebido a noite toda, uma puta dor de cabeça. Achou um bilhete em cima da mesa que dizia assim:

"Volto amanhã para buscar minhas coisas. Por hora, a roupa do corpo é suficiente. E ah, por favor, nunca deixe de abordar as pessoas em cafeterias."

          E foi o que ele fez, até que um dia deu certo. É casado faz cinco anos. Tem finais de semana maravilhosos assistindo filme em casa, ou comendo em fast foods. Ambos não gostam de MPB. Não fumam, e nem se interessam por bebidas alcoólicas. E quando um deles pisa na bola? Ah, rapidinho um chega de mansinho e pede desculpas.

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