quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Entre cacos e desejos de morte.

"O leitor do ano": Esse era o prêmio - aliás, único - que Scott ganhava na vida. Toda aquela rotina de ir e vir da biblioteca, pencas e pencas de livros amontoados sobre a cabeceira da cama. Romances policiais, dramas de virar canecas de lágrima. Que ridículo, pensava. Alguns dias atrás, quando estava alugando mais uns livros na biblioteca, foi indagado pelo bibliotecário:

- Mais romances?
- É, pelo menos na ficção tudo termina bem.
- Como assim?
- Esquece, você não vai entender...

Provavelmente não entenderia mesmo. O que sabe sobre depressões, um bibliotecário vindo de família nobre, feliz e casado com uma rústica e bonita latina? Pouco? Muito? Scott não queria saber. No dia seguinte, ficou sabendo que uma ponte caiu e levou a alma do pobre bibliotecário. Sabe se lá o que seria da moça. Depois do luto deve encontrar outro rapaz interessante e se casar de novo. Essa gente têm a vida agitada, e eu aqui olhando para esses livros, essas garrafas de vodka vazia, esses rabiscos sem final algum, tão parecidos com a minha vida. Vida essa que vou esticando com um fio incerto, cheio de desejos alheios, nenhuma auto estima, e vontade de abrir os olhos no dia seguinte. Quero morrer, pronto. Se a Ana estivesse aqui, certamente me acertaria com um tapa e diria com aquela voz mansinha de quem não sabe o que quer: Então toma toda aquela caixa de remédio ali e seja feliz. Sempre era a mesma frase, e sempre  - quase sempre - era o mesmo impacto que me embrulhava por dentro. Já me deparei diversas vezes olhando para caixas de remédio, colocava um bocado de comprimidos na mão, levava até a boca e depois cuspia. Engolia um, ou dois. No máximo: um sono incontrolável. Agora mesmo, estava aqui lendo um romance qualquer quando avistei lá embaixo - moro no quinto andar de um prédio pintado em cores mórbidas - pela vidraça um casal trocando amores em público. Fiquei estarrecido, deprimido. Senti um dedo - um dedo não, uma mão inteira - de inveja. Fui atrás da minha agenda de contatos em busca de qualquer romancezinho de verão, desses que a gente não tem coragem de arremessar o corpo em queda livre com medo de dar de cara com pedras, e não com água, até que achei um Kevin perdido entre parentes e nomes de farmácias.  

- Alô.
- Kevin?
- Sim Scott, o que você quer?
- Nada...
- Nada? Você quer conversar, certo?
- É... Pode ser?
- Na minha casa, ou na sua? 

Eram quase sempre os mesmos assuntos, mas quase sempre ele extraía toda a vontade de morrer que perambulava pela minha cabeça. Kevin era o único amigo que eu tinha, ainda que eu tivesse que pagar pra isso.

Um comentário:

Três Egos disse...

Também pagamos nossos terapêutas, não se preocupe em pagar. Pelo menos, o desejo da morte passa e vemos um certa esperança ou, pelo menos, outros caminhos, outras maneiras de pensar. E vamos vivendo, porque a vida sim vale a pena no final das contas.

Beijo!