sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Vem cá, 2010.

faz um tempinho que estou com isso entalado na garganta, então lá vai: Fique sabendo que apesar de tudo, das vezes que você tentou me fazer desistir, das pessoas especiais que você trouxe e levou com uma rapidez incrível, ainda tenho um certo apreço por você. Porém, estou muito feliz que você tenha acabado, e que no próximo ano eu possa dar o melhor de mim, apurar meu lado racional, e não deixar o emocional tomar as rédeas da minha vida. Vem cá, 2011: você vai ser ótimo pra mim, e tenho dito.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Status: Sozinho/Solitário

O fato de estar sozinho há muito tempo não vem me afetando tanto quanto no início do ano. A cada mês que passa, essa coisa chamada solidão vai ficando cada vez mais fraca, ainda que de vez em quando ela volta, um pouco mais forte, um pouco mais agressiva, porém, vai embora mais rápido. O fato de estar sozinho neste momento não significa que eu vou estar sozinho daqui alguns meses, mas isso não é uma certeza absoluta, é só um desejo pressuposto. O que me afeta não são os casais que vejo na rua, o problema está quando chego em casa, ou quando preciso de ajuda. Não é porque estou sozinho que choro antes de dormir, é porque eu tenho vontade de contar como foi meu dia e não há ninguém ali do lado segurando minha mão, ou trocando os canais na televisão. O que me afeta não é estar sozinho agora, mas sim a possibilidade disso se estender pelos próximos vinte anos.

Sempre ao seu lado.

          Já fazem onze anos desde que ele morreu. E a última coisa que eu disse quando ele saiu de casa, antes de sofrer um ataque cardíaco aos trinta e três anos, foi que me trouxesse um café sem açúcar.
12 de junho, 2000.

“Estava terminando de preparar as coisas para o aniversário do Eduardo. Dessa vez, eu iria – e esperava – surprendê-lo com um jantar romântico à beira mar. Ele nunca tinha visto o mar, então comprei passagens para o litoral, iríamos depois do almoço e chegaríamos lá antes mesmo do anoitecer. Só que houve um problema no trabalho do meu namorado. Justo nesse dia, a filha do seu chefe, que estava grávida, entrou em trabalho de parto e acabou vivendo uma tragédia, o filho havia nascido morto. Eduardo não teve como avisar, até tentou ligar no meu celular, mas eu acabei não atendendo. Fiquei com raiva por achar que ele havia esquecido, e já
tinha cancelado tudo. Jantei e fiquei aguardando na sala. Quando a porta finalmente se abriu, iniciei uma briga desnecessária.
- Você esqueceu?
- Esqueci, o que?
- Não acredito Eduardo, nós iríamos viajar hoje para o litoral, eu estava preparando uma surpresa pra você.
- A filha do chefe perdeu o bebê, eu tive que ficar lá no lugar dele enquanto ele estava no hospital.
- Não podia ter avisado?
- Eu liguei no seu celular, mas ele não estava com você. Nós podemos ter essa discussão outra hora? Realmente foi um dia difícil.
Ele passou andando para a cozinha, encheu um copo de água e ficou sentado. Enquanto isso, fui ao nosso quaarto e procurei meu celular. Realmente, havia várias chamadas não atendidas. Fui andando para a cozinha e parei na porta.
- Eduardo?
- Oi.
- Me desculpa?
Ele fez um gesto com a mão pedindo que eu fosse até ele. O abracei bem forte e perguntei como estava Aline (filha do chefe). Está lidando com a perda, é difícil sabe, explicou ele. Eu tinha uma grande dificuldade para expressar meus sentimentos, mas nunca tive tanta vontade de dizer que eu o amava, quanto naquele dia. Aproximei minha boca do seu ouvido e…
- Posso te dizer uma coisa?
- Claro. Mas antes, deixa eu ir ali no supermercado comprar café pra gente?
- Aqui não tem café?
- Acabou, eu acabei de me certificar disso.
- Tudo bem, pode ir.
- O que você ia dizer pode esperar, certo? É urgente?
- Não, tudo bem amor, eu falo quando você voltar.
Antes dele fechar a porta e sair, gritei:
- Eu quero o meu sem açúcar.
- O que?
- Sem açúcar.
- Tudo bem.
O supermercado não era longe, e ele estava demorando muito. Resolvi ligar no celular dele, e alguém atendeu:
- Alô? Amor, por que está demorando tanto?
- Alô, quem está falando?
- Aqui é o Paulo… E você quem é? O Eduardo está por perto?
- Desculpe, eu achei esse celular aqui no chão, acho que é do rapaz que acabaram de levar para o pronto-socorro mais próximo.
Desliguei o celular. O hospital mais próximo estava apenas a duas quadras de onde nós moravámos. Não demorei muito, apenas dez minutos depois e eu já estava lá aguardando notícias dele. Minhas mãos suavam, e eu sentia que precisava ir até onde ele estava. Contrariando a placa de “não entre”, passei pela porta e encontrei a sala onde Eduardo estava. Os médicos estavam apreensivos, o coração batia, até que tudo parou. Eu não acreditava no que via. Parado. O coração dele havia parado, e mesmo com as infinitas tentativas de fazê-lo voltar… não foi possível, Eduardo estava morto.”

          O que eu tinha para dizer era urgente, mas a gente sempre acha que pode esperar mais um pouco.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Isabelle.

Ele de uma cidade, ela de outra. Se conheceram em um festival parasiense, quando ambos estavam de férias. Tinham o mesmo gosto dramático por filmes de romance com dedos de ficção,e por que não dizer que ficção são os finais felizes? Durante as férias, conseguiram ser um para o outro, a melhor que coisa que acontecera naqueles trinta dias em Paris. Mas, como toda história de amor, essa deveria que ter uma pausa, visto que, ela estudava pintura no Rio de Janeiro, e ele dava aulas de dança em uma famosa escola no Chile. Um dia antes, Carl deixou a cidade e veio embora sem dizer adeus, deixou apenas um bilhete dentro da mala de Isabelle. Quando ela acordou e não encontrou o seu corpo ao seu lado na cama, desabou a chorar e caminhou até o bar mais próximo. Bebeu como nunca havia bebido antes na vida, e quase, quase foi parar no hospital. Imaginou que nunca mais o veria de novo, e que talvez aquilo tudo não passou de uma brincadeira, afinal, era Paris, e não havia lugar mais inspirador que começar um romance, só não sabia que também era o local mais mórbido para se acabar um dessa forma. Já não via mais beleza em nada. Ligou para o Brasil, cancelou suas aulas de pintura, começou um curso de música em Paris, e começou a cantar em alguns barzinhos da cidade. Tinha uma bela voz, sempre disse isso a ela. Pintura nunca foi a área dela, mas como vinha de uma famílias de pintores famosos [talvez você conheça algum deles achou que isso estaria no seu destino também. Isabelle demorou cinco anos para superar isso tudo, até que finalmente resolveu jogar fora tudo que lembrasse Carl. Ela iria seguir em frente, estava disposta a isso. Revirando as coisas no apartamento, enquanto relia os bilhetes que ele deixava toda vezque saía sem ela pela cidade, encontrou um bilhete, já um pouco amarelado. Eram poucas linhas que a deixaram pensativa por vários segundos, embora tudo fizesse sentido agora. Procurou na internet, qualquer informação sobre a escola que Carl estudava, e encontrou um telefone. Ligou. Cada ruído que se ouvia do outro lado da linha, ela sentia seu coração pulsar quase que em uma mesma sintonia, até que estivessem desregulados, o seu peito estava quase sufocando os outros orgãos do corpo.


- Alô?
- Eu gostaria de falar com o Carl.
- Carl? Da contabalidade?
- Contabilidade? Aí não é uma escola de dança?
- Foi há uns anos, você não está sabendo de nada?
- De nada?
- Sim... a escola foi fechada há uns três anos quando uma pessoa morreu de câncer.

Isabelle hesitou em perguntar um nome por alguns segundos.

- Qual o nome dele?
- Roberto.
- Roberto?
- Sim, o que aconteceu foi que um rapaz veio de Paris às pressas para tentar ajudar o melhor amigo, mas houve um grande problema no transplante, e o paciente não aguentou.
- Era compatível?
- O único. Carl era o único que podia salvar o amigo, e depois que não conseguiu fazer isso, fechou a escola e nunca mais ninguém o viu.
- Você não têm nenhum [a ligação caiu]

Deitada na cama, segurava o telefone na mão direita e as lágrimas começavam a escorrer pelo seu rosto. Durante os trinta dias, Carl ajudou Isabelle a seguir os seus próprios sonhos, os próprios desejos, e quando deixou Paris, não foi porque não a amava, e sim porque precisava. Essa foi a única vez que ela amou alguém de verdade, e mesmo sem saber que ele havia morrido de depressão, a moça sentia que de alguma forma nunca mais iria encontrar qualquer pessoa que parecesse com Carl.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

A caixa.

De repente, ele parou o carro no meio da estrada e disse que não podia mais aguentar um só segundo. Aguentar? O que? Nada foi respondido. Ele olhava pela vidraça do carro, a chuva caindo lá fora, as luzes do poste mirando quase que o rosto dele. Estava um pouco escuro dentro do carro, eu perguntei se poderia ligar a luz, e pegando levemente na minha mão, interrompeu e disse - quase que mandando sutilmente - para que eu ficasse quieto e de boca fechada. Consenti. Então, voltei meu olhar para fora da janela, assim como ele o fazia. Quis perguntar, mas também não quis interromper o pensando que talvez transcorria pelo cérebro dele naquele momento. Eu sentia uma tensão que estava quase que sufocando. O carro fechado, aquela chuva abafando o lado de fora, de dentro. Sem querer acabei soltando um: Porra Caio! Ele não se mexeu, continuou ali olhando para o lado de fora, talvez se perguntando quando que finalmente aquela chuva pararia de cair, e eu comecei a me preocupar. Apertei as coxas dele, como se pedisse com muita vontade que ele finalmente abrisse a boca e me dissesse, ainda que fosse para nunca mais entrar naquele carro, sair da vida dele, qualquer coisa. Então, ele retirou uma caixa do banco traseiro e colocou no meu colo. Enquanto eu expressava uma curiosidade nos olhos, ele abria vagarosamente um sorriso. Antes de abrir, não me contive e perguntei se era algo ruim.

- Eu não sei o que eu vou fazer se você estiver terminando comigo, Caio. Esses aqui são os meus presentes que eu te dei, não é?
- Por que você não abre? Por que você precisa sempre ficar duvidando de tudo? Abre logo isso, poxa.

Eu entendi "porra" ali no finalzinho, mas quando chegamos em casa, ele me explicou que havia falado "poxa" mesmo, ainda que pela pressão do momento queria ter dito "porra". Eu disse que seria grosso da parte dele, e ele riu. Saímos do quarto, e fomos para a sala. Lá estavam todos os amigos reunidos, cinco. Eu estava noivo, e dali pra frente seria a pessoa mais feliz do mundo.

Sobre críticas e o poder de se permitir.

Muito da gente é cobrado. Faça isso, faça aquilo. É nos dito como devemos nos vestir, padrão de beleza, cabelo arrumadinho e o peso em dia. Um mundo sem leis, não seria um mundo organizado, mas quem disse que precisamos diariamente viver fazendo/dizendo tudo como querem, ou preferem? Posso até parecer louco quando falo com desconhecidos. Aliás, eu fazer tal ato já é algo bastante inusitado, visto o grau de timidez que me persegue desde os primórdios da minha existência. "Sai dessa depressão", diz ele. É tão fácil você aí, do seu sofá, digitar algumas palavras e me enviar por email. Se eu quisesse esse tipo de ajuda que me oferecem todos os dias, eu compraria livros de auto-ajuda, porque só pode ser de lá que vocês retiram todos esses conselhos clichês pregados nos quatro cantos do mundo. Eu estou me permitindo ficar triste, porque é assim que eu me sinto. Você pode até discordar, mas o que é que você sabe sobre mim? Fico meio impaciente com algumas coisas que chegam aos meus ouvidos, com comentários aqui e ali, sobre como eu devo fazer isso, se estou fazendo errado, certo, que é melhor dormir de lado porque de barriga para baixo me faltará ar. Não sou inteligente, e nem sei se serei e se quero ser um dia. Sei falar de algumas coisas, mas não sei falar de tudo, não tenho opinião sobre política, por exemplo, e eu sinto muito se me tornei menos atraente por causa disso, você ainda vai achar alguém que adore as mesmas coisas que você. E eu sei que mesmo sabendo um pouco sobre seres humanos, eu não sou bom o bastante para ninguém, e vou digerindo essa idéia dia após dia, aos poucos não está sendo mais difícil conviver com a idéia de que terminarei meus dias completamente solitário. Apenas eu, um copo de chocolate quente, filmes e cobertores. Ou não. O que o futuro me reserva? Não sei. De qualquer forma, vou me preparando para o pior.  Meu rapaz, críticas nunca trazem consigo um abraço acolhedor. O problema que eu tenho é em distinguir críticas construtivas de "críticas", apenas. Nunca sei quando algo é dito para mim, visando meu bem interior, ou se eu fui contemplado por alguém que não tinha nada para fazer e resolveu soltar qualquer burburinho no corredor. É complicado? Muito. 

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Mais um fim.

Durante o ano não pensei em como seria o fim do mesmo, e nem com quem desejaria passar. Não planejei nenhuma festa, se quero muito barulho ou apenas um jantar para relaxar. Fogos de artifício, fumaça, brilho, pessoas com as mãos para cima, contagem regressiva, ano novo. E mais uma lista de coisas que eu irei fazer ano que vem - tudo mentira. Vou emagrecer, amar alguém, me sentir bem comigo mesmo, aproveitar a minha vida. Se eu soubesse que estaria onde estou agora, certamente não pensaria a doze anos atrás que tudo foi previsível demais. Pelo contrário, foram muitas novidades. Mas não foram boas novidades. Em relação as amizades, conheci poucas pessoas, e provavelmente todas eu consegui afastar naturalmente. Naturalmente? Poucas conseguem lidar com meu jeito de superação. Eu fico ali, por perto, e uma hora ou outra, sem motivo aparente, eu me afasto. Não é de um, nem de outro, é de todos. Faz tempo que eu deixei de dividir meus problemas com alguém. Me acostumei a dividir apenas os bons momentos, e talvez por isso eu seja visto de uma forma distorcida. E talvez por ser visto assim, as pessoas geralmente acham que eu sou muito forte, muito racional, e muitas vezes... muito frio. Algumas coisas infelizmente eu não posso explicar. Não posso explicar o motivo de rejeitar alguém, e nem o motivo de não me arriscar na primeira paixão que aparece pela frente. Foi mais um ano que passou, mais um fim que se aproxima, e por que não dizer que é um ciclo que se finaliza? Porque não é assim que parece. Este ciclo que deveria ter acabado, vem perdurando faz alguns anos. E não, não foi nesses doze meses que eu consegui quebrá-lo, embora nesses últimos dias eu venho pensando bastante nisso, e talvez tenha encontrado a resposta que queria. Só que não é simples, de novo me deparo com a palavra risco, coragem... Que por sua vez trazem junto a palavra incentivo. Não quero me estender no assunto, Scott disse que eu me estendo muito nos assuntos, em tudo, e talvez seja por isso que eu - no dia a dia - sou meio incompreendido pelos demais. Vocês entenderam, certo? Espero que sim. É o fim. E por enquanto, só mais um dia de trabalho que termina. O ano? Calma, ainda falta um pouquinho, não vamos nos despedir assim tão rápido.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O estraçalhado e o esparadrapo.

Scott sempre foi assim: diferente da maioria, sempre com opiniões contrárias da "massa", e quase nenhum amigo em volta. Nunca conseguiu se encaixar, e nem queria. Não se achava tão quadrado, e nem esperto o suficiente para conseguir "dominar" outra pessoa. Para se entrar em um grupo de amigos é preciso que você se encaixe, e ele não sabia como fazer isso, e até tinha um pouco de preguiça. Achava que amigos se conquistava naturalmente, ao ar livre, sem pressão, ou puxa saquismo. Além de ter idéias diferentes, e um gosto peculiar para tudo, ele era tímido desde que se entendia por gente. Sempre se achava um pouco atrasado, ou um pouco adiantado perante a sociedade, mas nunca esteve no presente. Quando não era seu gosto musical por músicas "oitentistas", era a sua forma de ver a vida que dispensava qualquer tipo de artifício tecnológico. É meu senhor, a tecnologia só distanciou ainda mais as pessoas. Costumava entregar cartinhas aos amigos na porta de casa, hoje em dia, não precisa vê-los, apenas um email e tempo para digitar qualquer coisa já parece suficiente. Bem, não vamos entrar em detalhes. Sempre puxava algumas pessoas para perto de si com seu humor ácido, e seu mal-humor trabalhado de forma que não desanimasse as outras pessoas. Ainda assim, a maioria delas se desprendia e logo voltava para o aconchego dos amigos cabeça-vazia. Ele também não fazia questão de agradar todo mundo, e dava liberdade para que os amigos que fazia voltassem a qualquer momento para o lugar que os pertencia. E o coração desse rapaz? Dava vergonha de ver em um raio-x. Ainda que colecionasse muitos ferimentos de doer a vista, ele não deixava que isso enrijecesse o seu caráter. Pegava a sua sensibilidade e estocava em qualquer parte escondida do seu corpo. Logo depois, voltava ainda mais sensível e forte, como uma fênix. Era um ciclo que não se acabava. Sofria, se escondia, e voltava, mas nunca, nunca pensou em apelar para o suicídio. Ainda que a vida fizesse questão de esbofetear a sua cara, ele não se dava por vencido, e nem perdia as esperanças de que um dia as coisas iriam mudar. Esforçava-se para não ser um merda, ainda que vezenquando tivesse que cortar raízes sujas que tentavam lhe sugar a energia que continha em seu peito. Vingança é uma coisa, auto-defesa é outra. Sabe se lá quantos esparadrapos fazem parte desse coração estraçalhado. Vou te dizer uma coisa que Scott me contou um dia desses: é difícil espantar os corvos quando se têm apenas duas mãos para tentar fazê-los acreditar que sim, aquele corpo ainda permanece de pé.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Entre cacos e desejos de morte.

"O leitor do ano": Esse era o prêmio - aliás, único - que Scott ganhava na vida. Toda aquela rotina de ir e vir da biblioteca, pencas e pencas de livros amontoados sobre a cabeceira da cama. Romances policiais, dramas de virar canecas de lágrima. Que ridículo, pensava. Alguns dias atrás, quando estava alugando mais uns livros na biblioteca, foi indagado pelo bibliotecário:

- Mais romances?
- É, pelo menos na ficção tudo termina bem.
- Como assim?
- Esquece, você não vai entender...

Provavelmente não entenderia mesmo. O que sabe sobre depressões, um bibliotecário vindo de família nobre, feliz e casado com uma rústica e bonita latina? Pouco? Muito? Scott não queria saber. No dia seguinte, ficou sabendo que uma ponte caiu e levou a alma do pobre bibliotecário. Sabe se lá o que seria da moça. Depois do luto deve encontrar outro rapaz interessante e se casar de novo. Essa gente têm a vida agitada, e eu aqui olhando para esses livros, essas garrafas de vodka vazia, esses rabiscos sem final algum, tão parecidos com a minha vida. Vida essa que vou esticando com um fio incerto, cheio de desejos alheios, nenhuma auto estima, e vontade de abrir os olhos no dia seguinte. Quero morrer, pronto. Se a Ana estivesse aqui, certamente me acertaria com um tapa e diria com aquela voz mansinha de quem não sabe o que quer: Então toma toda aquela caixa de remédio ali e seja feliz. Sempre era a mesma frase, e sempre  - quase sempre - era o mesmo impacto que me embrulhava por dentro. Já me deparei diversas vezes olhando para caixas de remédio, colocava um bocado de comprimidos na mão, levava até a boca e depois cuspia. Engolia um, ou dois. No máximo: um sono incontrolável. Agora mesmo, estava aqui lendo um romance qualquer quando avistei lá embaixo - moro no quinto andar de um prédio pintado em cores mórbidas - pela vidraça um casal trocando amores em público. Fiquei estarrecido, deprimido. Senti um dedo - um dedo não, uma mão inteira - de inveja. Fui atrás da minha agenda de contatos em busca de qualquer romancezinho de verão, desses que a gente não tem coragem de arremessar o corpo em queda livre com medo de dar de cara com pedras, e não com água, até que achei um Kevin perdido entre parentes e nomes de farmácias.  

- Alô.
- Kevin?
- Sim Scott, o que você quer?
- Nada...
- Nada? Você quer conversar, certo?
- É... Pode ser?
- Na minha casa, ou na sua? 

Eram quase sempre os mesmos assuntos, mas quase sempre ele extraía toda a vontade de morrer que perambulava pela minha cabeça. Kevin era o único amigo que eu tinha, ainda que eu tivesse que pagar pra isso.