sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

miragem

os olhos bem fundos de sono, uma noite mal dormida, mas era verdade, a imagem que chegava até seus olhos no final da rua não era miragem. ela vinha caminhando em sua direção. carregada de problemas familiares, amores mal resolvidos e um bocado de decepção embaixo do braço direito. eu tinha que acolhê-la da melhor forma possível. a levei para jantar, e só resolvi discar o número do seu celular uma semana depois. não nos conhecíamos muito, e ainda assim, fizemos aquilo que tínhamos vontade. da minha parte era carência, mas eu não avisei, confesso. já tinha dito que seria prejudicial criar alguma expectativa, porque da mesma forma que eu quero estender a mão para alguém, eu também quero caminhar com meus próprios pés sem o auxílio de ninguém. é muito complicado, eu disse. eu sou muito complicado, corrigi logo depois. eu corro esse risco, disse ela. riscos foram feitos para serem enfrentados, para testarem a capacidade do ser humano de pular de um precipício sem saber o que o espera lá no fundo do escuro. a curiosidade sempre grita mais alto. mas eu não quero que você corra este risco, porque eu não estou inteiro aqui agora. ela questionou minha insegurança, minha incerteza, minha dúvida. eu não queria continuar, eu nunca quero. acho tão estranho, mas essa não é uma das poucas coisas sem explicação nos dias atuais. então eu me tranquilizo. podemos continuar saindo, talvez você me veja com outros olhos. ela precisava de colo, e minhas mãos sequer tocavam o seu rosto. sim, ela era bonita. mas a moça do lado que passava no momento, me atraía muito mais, e eu nem a conhecia. só ouvi quando ela se despediu. levantei a mão direita e permaneci assim por alguns segundos, até a sua silhueta desaparecer pela avenida. ela vai ficar muito chateada, enfurecida, indignada comigo. tenho culpa, devo ter. nem que seja um resquício qualquer. mas tenho medo, na mesma proporção. tudo me irrita em alguém. carinho demais me irrita. apelidos fofos. e daí, a falta disso também me irrita. ainda estou aqui, escrevendo, com os olhos bem fundos de uma noite mal dormida. voltei a época que eu sonhava com alguém que eu não faço a mínima idéia de quem seja. imagem preta desfocada duas pernas e dois braços. mistério.

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