sábado, 20 de fevereiro de 2010

re-cordando

Cuidado com a faca na mesa, ela não é confiável, mesmo imóvel. O pão, a manteiga, o homem sentado à mesa. Olhe ao seu redor, não seja ingênuo, não seja presa fácil, ninguém é inofensivo. Ninguém é totalmente bondade, que nunca tenha feito uma maldade. Tu não vê o passado de quem passa ali do outro lado da rua, pode até ser mais sombrio do que o seu. Aquela moça, aparentemente, de boa índole pode ser a pessoa que mais te odeia. Às vezes é verdadeiro aquele que tá por perto. Não se preocupes, ainda há um que preste entre os trinta ratos de esgoto. Você não tá pensando em mudar, está? Cuidado com aquele homem sentado à mesa, ele pode não ser bom pra você. O que eu quero dizer, é que ele pode te ferir, mesmo gostando de você. Isso não é muito difícil, visto que, todo mundo machuca alguém. Sim, alguns fazem sem querer. Todo mundo erra, não é mesmo? Mudar? Você não respondeu minha última pergunta. Tanto faz, deixa eu te falar sobre mudanças, antes que eu esqueça o tenho em mente. Nunca pensei em mudar. Nem quando eu queria agradar aquele lá eu mudei. Você me conhece há tanto tempo deveria saber disso. Mesmo eu sabendo que estávamos caminhando ao começo do fim, eu não mudei. Ele tinha que gostar dos meus defeitos, embora eu confesso que sejam muitos. Você acha que é possível alguém gostar de todos eles? Posso citar meu nome como esse provável alguém? Como? Nada, esquece. Defeitos são defeitos, vou mentir se eu disser que eles devem ser venerados. Mas, uma vez ouvi da boca de alguém a seguinte frase: amo até os seus defeitos. Ele não amava, ele sabia conviver, e isso fazia com que ele enxergasse apenas as coisas boas. É quase a mesma coisa. Se você diz, então é. Verdade, todo mundo erra. Você , por exemplo, errou bastante comigo. Errei, e se estamos aqui hoje, eles fazem parte de tudo que vivemos até agora. Alguns desses erros viraram acertos. Entendo. Você fala daquela vez em que esqueceu de fazer a revisão do carro, e ficamos um bom tempo parados na estrada? Desde quando esse erro virou acerto? Desde sempre. Não sei se você lembra mas foi naquela noite que... Sim, claro, lembrei. Não, tudo bem. É normal que agora, assim, desse jeito que estamos, você vá esquecendo de tudo que vivemos. Claro que não, pare com isso. Porque conversar tudo isso comigo? Não chegaremos a lugar algum, você sabe disso. Está doendo em ti? Um pouco, bem pouco. Desculpa. É que é bom falar sobre isso com você. Por que? Me sinto amado, como se alguém se importasse comigo. Você foi, lembra? E você mesmo acabou com tudo que eu sentia. Sim, desculpe-me por isso também, fui um idiota. Mas é tarde. Eu sei, não vim aqui para pedir que voltasse. Nós mudamos. Só queria dizer que é bom conversar sobre isso com você. Já fazem dois anos, certo? Isso. E desde então, ninguém mais conseguiu gostar dos meus defeitos, tanto quanto você. E se você for único? E se o ciclo acaba aqui? Só queria que você soubesse que é medo que eu sinto. Só diga que um dia alguém vai mandar esse medo para o espaço, é só isso que eu preciso ouvir. Já vi muitas pessoas terminarem sozinhas, mas você não é uma delas. Obrigado.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

dezenove anos de amor, em uma tacada só.

e tudo começou com uma vontade involuntária de sair de casa. mais uma noite, em mais uma festa de um desconhecido qualquer. uma semana até o primeiro passo. um mês depois, o pedido de namoro aceito. e três meses depois o fim da primeira relação séria de um homem. meses entre primeiros passos. conhecendo pessoas diferentes que possuíam algo em comum. nenhuma delas eram boas o bastante. algumas vezes, eu não fui bom o bastante. frieza. irritação. poucas palavras. às vezes tenho absoluta certeza de que câncer combina comigo. mas para relações, eu não sei como me definir. uma total negação, eu acho. a pequena moto cara que decorava a sala de estar não foi o bastante. um presente não é um 'eu te amo'. eu também, nunca é a mesma coisa. concordar. concordar. sim, eu também. você também o que? e as palavras não saíam. apenas nas folhas de caderno. e ainda assim, não foram convincentes pra você. nem era pra mim, na verdade. eu não acreditaria em papel. a dor do punho depois de escrever dezenas de palavras, e encher mais de cinco folhas de palavras bonitas não valem mais que um olho no olho, ou a própria sinceridade. então eu abri a porta, entrei no carro, que não era barato, embora isso não seja uma informação importante. e tudo não passou de uma noite de diversão sem bebidas alcoólicas. eu deveria ter agradecido você pelos prazeres da carne, desculpa, eu esqueci. e depois disso. mais chá. mais sono. mais chá. e outra noite de diversão, embora dessa vez tenha sido horrível. você era horrível. e eu nem tive tempo para prestar atenção. por isso o presenteei com aquele chocolate, era o máximo que você poderia levar de mim contigo. e embora eu te veja, às vezes, quando estou me divertindo em algum lugar, eu finjo sempre que nunca te vi, e isso tá fazendo efeito, porque aquele dia tá perto de ser apagado. agradeço à minha memória que vezenquando apaga detalhes grotescos da minha ficha pessoal. até que eu conheci a beleza em pessoa. e deixei pra trás mais uma vez sem motivo algum. aliás, o assustei, seria o mais sensato a se dizer. resolvi que não iria mais conhecer pessoas. que iria me distanciar de tudo que fosse muito pessoal. sentimental. que envolvesse beijos. que envolvesse encontros. ou qualquer coisa do gênero. não adiantou. eu estava disposto a ter alguém comigo. e eu tive. por alguns dias. até que o seu caráter brilhante não foi o suficiente. atualmente, minha vida é inconstante. idas, e vindas. e sempre antes de pegar no sono, fico me perguntando como teria sido se eu tivesse dito sim, ao invés de não. me questionando sobre o que eu sinto. e tentando descobrir, o motivo real de eu não conseguir amar alguém de verdade.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

miragem

os olhos bem fundos de sono, uma noite mal dormida, mas era verdade, a imagem que chegava até seus olhos no final da rua não era miragem. ela vinha caminhando em sua direção. carregada de problemas familiares, amores mal resolvidos e um bocado de decepção embaixo do braço direito. eu tinha que acolhê-la da melhor forma possível. a levei para jantar, e só resolvi discar o número do seu celular uma semana depois. não nos conhecíamos muito, e ainda assim, fizemos aquilo que tínhamos vontade. da minha parte era carência, mas eu não avisei, confesso. já tinha dito que seria prejudicial criar alguma expectativa, porque da mesma forma que eu quero estender a mão para alguém, eu também quero caminhar com meus próprios pés sem o auxílio de ninguém. é muito complicado, eu disse. eu sou muito complicado, corrigi logo depois. eu corro esse risco, disse ela. riscos foram feitos para serem enfrentados, para testarem a capacidade do ser humano de pular de um precipício sem saber o que o espera lá no fundo do escuro. a curiosidade sempre grita mais alto. mas eu não quero que você corra este risco, porque eu não estou inteiro aqui agora. ela questionou minha insegurança, minha incerteza, minha dúvida. eu não queria continuar, eu nunca quero. acho tão estranho, mas essa não é uma das poucas coisas sem explicação nos dias atuais. então eu me tranquilizo. podemos continuar saindo, talvez você me veja com outros olhos. ela precisava de colo, e minhas mãos sequer tocavam o seu rosto. sim, ela era bonita. mas a moça do lado que passava no momento, me atraía muito mais, e eu nem a conhecia. só ouvi quando ela se despediu. levantei a mão direita e permaneci assim por alguns segundos, até a sua silhueta desaparecer pela avenida. ela vai ficar muito chateada, enfurecida, indignada comigo. tenho culpa, devo ter. nem que seja um resquício qualquer. mas tenho medo, na mesma proporção. tudo me irrita em alguém. carinho demais me irrita. apelidos fofos. e daí, a falta disso também me irrita. ainda estou aqui, escrevendo, com os olhos bem fundos de uma noite mal dormida. voltei a época que eu sonhava com alguém que eu não faço a mínima idéia de quem seja. imagem preta desfocada duas pernas e dois braços. mistério.